RIO - Uma decisão liminar da 20ª Vara da Justiça Federal de Brasília - publicada no dia 28 de setembro e tomada a partir de um pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM) - limita a atuação de enfermeiros no Sistema Único de Saúde (SUS) e tem mobilizado manifestações da categoria no estado do Rio.
Nesta segunda-feira, cerca de 700 pessoas, entre enfermeiros, profissionais de outras áreas e usuários do SUS, protestaram em frente à sede do Conselho Regional de Medicina (Cremerj), em Botafogo. O Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ), que convocou o ato, considera que o pedido do CFM configura uma tentativa de reserva de mercado dentro do SUS e prejudica o trabalho de atenção básica à saúde promovido pelos enfermeiros, e já marcou um novo protesto para o próximo sábado, em frente a Casa de Parto David Capistrano, em Realengo, na Zona Oeste do Rio.
A casa, que já realizou mais de 3 mil partos nos últimos 13 anos, funciona sem a presença de médicos, e conta com a atuação apenas de enfermeiros obstétricos, técnicos e auxiliares de enfermagem, nutricionistas e assistentes sociais.
Em função da sentença, a casa, por orientação do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) - que já solicitou à Justiça a suspensão da liminar da 20ª Vara de Brasília - interrompeu por ora o atendimento às grávidas.
Na avaliação da presidente do Coren-RJ e professora titular da Escola de Enfermagem Anna Nery, da UFRJ, Maria Antonieta Rubio Tyrrel, a limitação da atividade dos enfermeiros representa um retrocesso na atenção básica à saúde.
Ela critica o pedido do Conselho Federal de Medicina, e considera que os maiores prejudicados com a decisão serão os próprios pacientes do SUS, especialmente em áreas mais pobres do país, onde, destaca, há um déficit de médicos.
- Esses protestos são contra o corporativismo de médicos que apoiam essa medida e a favor da autonomia dos enfermeiros, que, ao contrário do que muitos profissionais alegam, não invadem o campo de atuação dos médicos.
A liminar ignora completamente a Lei do Exercício Profissional da Enfermagem, nº 7.498/1986, e o decreto de Lei 9.4406/1987, que regulamenta a profissão do enfermeito. - enfatiza a presidente do Coren-RJ. - O que observamos aqui é uma disputa por reserva de mercado e a tentativa de mercantilização do SUS.
A decisão é desastrosa para a atenção básica à saúde, um trabalho que é feito fundamentalmente por enfermeiros, que têm muito mais tempo de contato com os pacientes.
Maria Antonieta também cita os impactos da decisão sobre o funcionamento da Casa de Parto David Capistrano. Na avaliação da enfermeira com especialização na área de obstetrícia, as gestantes, que têm a gravidez acompanhada desde o começo na unidade, serão as mais prejudicadas enquanto a liminar permanecer vigente.
- Todo o pré-natal, onde pedimos exames para identificarmos possíveis doenças do bebê ou da gestante com antecedência, fica inviabilizado. Todas as enfermeiras obstetrícias que trabalham na casa fazem cinco anos de graduação, mais um período mínimo de 1 a 2 anos especialização na área, incluindo a residência, e estão plenamente capacitadas a realizar esse trabalho de acompanhamento total das gestantes, como já o fazem há 13 anos.
Diante da polêmica decisão do juiz Renato Borelli, até mesmo o Ministério da Saúde emitiu uma nota contrária à liminar. No texto, publicado no último dia 11, a pasta ressalta que a decisão impacta diretamente no funcionamento das unidades básicas de saúde e na garantia do acesso da população. Na liminar, Borelli suspende parcialmente a Portaria 2.488/2011, proibindo que enfermeiros solicitem exames para, por exemplo, a confirmação de doenças. O Ministério da Saúde, por sua, vez, considera que decisão pode prejudicar a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).
"O SUS oferta suas ações e serviços de saúde a partir da atuação de equipes multidisciplinares, formadas por profissionais e trabalhadores de diversas áreas, ampliando a capacidade de resolução do atendimento assistencial.
Assim, para manter as atividades previstas na nova Política Nacional de Atenção Básica e garantir a assistência à população, o Ministério da Saúde vai apresentar os subsídios necessários para que a Advocacia Geral da União (AGU) possa recorrer da decisão", destaca o ministério em nota, que frisa ainda que os enfermeiros são "essenciais no cuidado em saúde", como nas ações de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, no programa de controle de hipertensão, diabetes e acompanhamento do pré-natal, entre outros.
Em seu site, o Conselho Federal de Medicina emitiu uma nota de esclarecimento sobre o caso. A instituição considera que a decisão não compromete o funcionamento dos programas de saúde pública, no escopo da Política Nacional de Atenção Básica, pois não impede os enfermeiros de repetirem práticas terapêuticas, bem como procedimentos e exames, desde que estes tenham sido solicitados previamente por médicos.
Ainda no texto, o conselho considera que a Portaria nº 2.488/2011 causou uma distorção ao permitir indevidamente aos enfermeiros a possibilidade de solicitar exames complementares, prescrever medicações e encaminhar pacientes a outros serviços, abrindo espaço para a invasão das atribuições dos profissionais da medicina.
O CFM também cita que a Lei nº 7.498/1986 não permite aos profissionais graduados em enfermagem executarem os procedimentos previstos na Portaria do Ministério da Saúde, e que os profissionais da área devem pautar sua conduta com base orientações recebidas pelo médico assistente.
DIAGNÓSTICO DA TUBERCULOSE PODE SER PREJUDICADO
Um outro ponto polêmico da liminar diz respeito ao rápido diagnóstico de doenças com alto potencial de contágio, como a tuberculose.
Para professora Fabiana Barbosa Assumpção de Souza, da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da UniRio, a decisão acarretará na demora da identificação doença, uma vez que o pedido dos exames é normalmente feito por enfermeiros.
A docente, mestre e doutora em Ciências com trabalhos dedicados ao diagnóstico e tratamento da doença, considera que, enquanto a liminar estiver vigente, os riscos de complicações da doença, assim como o número de pessoas contaminadas, tende a aumentar.
- A tuberculose é uma doença que requer diagnóstico rápido, mas essa decisão deixa os profissionais de enfermagem amarrados.
A partir de agora, mesmo que um enfermeiro com anos de experiência perceba todos os sintomas caractéristicos da tuberculose, ele não poderá pedir um exame para confirmar o diagnóstico sem a autorização prévia de um médico. É um atraso que prejudica o tratamento do paciente e causa a contaminação de pessoas próximas a ele - argumenta.
Fonte: O Globo
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