Rio – Centenas de enfermeiros realizaram, nesta segunda-feira, um protesto no Rio de Janeiro contra decisão da Justiça Federal que os proíbe de requisitar exames na atenção básica. Com o apoio de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), de profissionais de outras áreas, de estudantes e de professores, eles se mobilizaram vestindo roupas pretas em frente à sede do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj).
Enfermeiros protestam no Rio contra decisão judicial que limita a atuação da categoria
A decisão, assinada no dia 27 de setembro pelo juiz Renato Borelli, atende a um pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM). A entidade alega que o objetivo é preservar as atribuições privativas dos médicos e garantir que pacientes não sejam colocados em risco. Por sua vez, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) critica a atitude e vê nela uma tentativa de reserva de mercado que trará prejuízos para o atendimento à população. Segundo a entidade, nem sempre as equipes de saúde estão completas, principalmente em cidades mais pobres, nas quais enfermeiros são fundamentais.
De acordo com o despacho, está suspensa parcialmente a Portaria 2.488/2011 do Ministério da Saúde, “tão somente na parte que permite ao enfermeiro requisitar exames, evitando, assim, que realizem diagnósticos sem orientação médica”. O magistrado avaliou que a referida portaria foi além do que permite a lei que rege a prática da enfermagem.
O Cofen já recorreu da decisão, mas orienta os enfermeiros a respeitá-la enquanto a sentença estiver vigente.
O Ministério da Saúde também se movimenta para tentar derrubar a liminar. “As atribuições dos enfermeiros descritas na nova Política Nacional de Atenção Básica estão totalmente de acordo com a legislação brasileira. A iniciativa foi debatida com a sociedade e aprovada junto com representantes dos estados e municípios do país. A prioridade é garantir que o SUS atenda às necessidades do cidadão”, registra nota divulgada pela pasta.
Maria Antonieta Rubio Tyrrel, presidente do Conselho Regional de Enfermagem fluminense (Coren-RJ), lamenta que uma decisão de grande impacto tenha sido tomada pela Justiça sem ouvir todos os lados envolvidos. Ela diz que nem os enfermeiros e nem o Ministério da Saúde foram consultados.
“A nossa atuação na atenção básica funciona assim há mais de 20 anos. Nós não fazemos nada improvisado. Inclusive tudo o que fazemos está consolidado na academia. Na universidade, os enfermeiros são capacitados para atuar dessa forma. E nós queremos apenas aplicar o nosso conhecimento para contribuir com a saúde básica no SUS. A decisão prejudica o atendimento da população menos favorecida e ela precisa ser avisada. Do contrário, pacientes vão achar que nós estamos nos recusando a atendê-los”, diz Maria Antonieta.
Ela lamenta que em plena campanha do Outubro Rosa, enfermeiros estejam impedidos de prescrever exames preventivos de câncer de mama. A coleta citopatológica, procedimento que detecta o câncer de colo de útero, é outro ítem que não poderia estar no rol dos trabalhos resquisitados pela enfermagem, assim como testes que ajudam no diagnóstico de tuberculose e de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e no controle de hipertensão e diabetes. “Em todos estes casos, há protocolos institucionalizados junto às secretarias de Saúde, onde o papel do enfermeiro é muito bem registrado. É um trabalho legítimo, que vem sendo realizado com competência e ética”, enfatiza.
Na opinião de Paulo Murilo de Paiva, membro da Comissão Nacional de Técnicos e Auxiliares de Enfermagem (Conatenf), a decisão prejudica principalmente o SUS e a população. “Os enfermeiros seguirão trabalhando sem prejuízo dos seus vencimentos. Mas a população vai sofrer. É uma decisão que contribui para um desmonte do SUS, da ideia de uma rede de saúde multiprofissional, com cada um atuando na sua área, mas se ajudando coletivamente”.
Casa de Parto
A decisão também impactou a Casa de Parto David Capistrano Filho, em Realengo, na zona oeste. A instituição, que busca promover o parto humanizado, funciona sem a presença de médicos. No local, atuam enfermeiras obstétricas, técnicos e auxiliares de enfermagem, nutricionistas e assistentes Sociais. Nos últimos 13 anos, cerca de 3 mil bebês nasceram no local.
Em consequência da sentença do juiz, a casa de parto já suspendeu o atendimento às grávidas, em grande maioria moradoras da periferia. Segundo a diretora, Leila Azevedo, a liminar dificulta o tratamento precoce de doenças que colocam em risco as gestantes e os bebês, em meio a uma epidemia de sífilis, enfermidade que pode ser transmitida de mãe para o filho e levar à má-formação fetal. Além disso, há diversos prejuízos para o pré-natal, já que doenças como o HIV/Aids, a tuberculose e os variados tipos de hepatites são identificadas por enfermeiros na instituição e em outras unidades básicas de saúde.
“Para essas mulheres [grávidas], classificadas como de baixo risco, ou risco eventual, o melhor profissional é a enfermeira obstetriz porque nossa formação é a do cuidado”, afirmou. As casas de parto só fazem partos considerados de baixo risco, ou seja, que não correm risco de evoluir para uma complicação. Elas geralmente se localizam perto de uma maternidade e têm autorização do Ministério da Saúde para funcionar sem médicos e intervenções, cumprindo protocolos e diretrizes da pasta. “Não vamos pedir uma tomografia ou uma ressonância”, esclareceu Leila, reforçando que procedimentos mais complexos são feitos sob a orientação médica.
Outro lado
Procurado pela Agência Brasil, o Cremerj afirmou ter estranhado a manifestação promovida pelo Coren-RJ, com quem declara ter um bom relacionamento, “sem antes agendar uma audiência com o Cremerj, que sempre esteve à disposição para o diálogo, tendo, inclusive, o presidente do Cremerj tentado contato prévio com a presidente do Coren-RJ, apesar de não ter tido retorno”.
No entendimento dos médicos, a decisão judicial “defende a preservação da Lei do Ato Médico, que determina as funções da categoria médica e visa garantir um atendimento seguro para a população”. O Cremerj entende, ainda, que a decisão não compromete a saúde pública “pois não impede os enfermeiros de repetirem terapêuticas, bem como procedimentos e exames, que tenham sido solicitados, previamente, por médicos”.
O Cremerj alegou, ainda, que defende a atuação no SUS, em especial na Estratégia de Saúde de Família (ESF), com equipes completas, que incluem médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde, “e que cada um deve exercer adequadamente suas atribuições”.
Fonte: AGÊNCIA BRASIL
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